“A atenção é um músculo mental, é preciso exercitá-lo”
Foi há mais de 20 anos que Daniel Goleman lançou um livro dedicado a um conceito revolucionário: a inteligência emocional. Atualmente corre o mundo para falar de educação, liderança e meditação – planetas que giram à volta das emoções.
Quando era mais novo, queria ser médico. Mas depois de um desamor com a Bioquímica, descobriu a sua verdadeira paixão: a Psicologia. Hoje, Daniel Goleman, de 72 anos, é considerado o “pai da inteligência emocional”, por ter sido um dos pioneiros a afirmar que a forma como reconhecemos e gerimos as emoções é tão importante como o QI. Com um bestseller internacional sobre o tema e mais de uma década de jornalismo de ciências comportamentais no New York Times no currículo, Goleman dá palestras pelo mundo sobre a importância da inteligência emocional nos negócios e na educação. Paralelamente, há décadas que pratica e estuda a meditação, tema do livro, Traços Alterados.
Acredita que as escolas devem trabalhar a literacia emocional, além das disciplinas de ensino regular. É possível que esta aprendizagem coexista com o sistema de avaliação atual, que põe a média acima de tudo?
As escolas de topo da América, que melhor preparam os alunos para a faculdade, compreendem a importância desta aprendizagem além da excelência académica. O que elas tentam fazer é dar uma educação completa. Querem que a criança se desenvolva emocional e socialmente, não querem que ela seja apenas boa a Matemática. Porque se és bom a matemática, mas não és boa pessoa, vais ser um desastre para qualquer empresa. E ninguém vai querer casar contigo. [Risos]
Já se comprovou que o programa de Aprendizagem Emocional e Social [SEL program], além de tornar os jovens mais bem-comportados, melhorou os resultados académicos. Então, porque é que o programa ainda não é “regra” em todas as escolas?
As decisões tomadas nas escolas acerca do que as crianças devem estudar não são necessariamente baseadas em provas empíricas – e isso é um problema. Mas há cada vez mais escolas a adotar o programa e já há mais de 10 milhões de crianças inseridas nele. Alguns estados da América já o aplicaram em todas as escolas e também já chegou ao Reino Unido. Isto não quer dizer que esteja a ser bem feito, mas ao menos a intenção está lá.
Uma das suas teorias é que o foco é um aspeto fundamental da inteligência emocional. É possível que as novas gerações, que crescem rodeadas de gadgets, consigam manter o foco?
Acho que as crianças que estão a crescer rodeadas de tantas distrações tecnológicas estão a perder a habilidade de se manterem focadas. É por isso que digo que é cada vez mais importante ajudá-las a fortalecer a sua capacidade de atenção – para que elas possam decidir por si mesmas a que é que querem dedicar o seu tempo, em vez de estarem coladas aos ecrãs. A atenção é um músculo mental, é preciso exercitá-lo.
Pode sugerir um desses exercícios, que fortaleça o foco?
Este é simples: as crianças pegam num pequeno animal de peluche, deitam-se no chão e colocam-no em cima da barriga e veem-no a subir nas inspirações e a descer nas expirações, a subir e a descer… Se a mente deles divaga dali, elas tentam trazê-la de volta. E sempre que a trazem de volta, fortalecem os circuitos do cérebro que permitem ignorar as distrações. Esse é o tipo de educação que vamos precisar cada vez mais no futuro, porque a faculdade mental da concentração está sob grande pressão da tecnologia.
E no mundo dos negócios, como é que as empresas podem ajudar os seus trabalhadores a melhorar a inteligência emocional?
Há muitas empresas que oferecem programas aos seus trabalhadores para os ajudar a comunicar melhor, a serem melhores membros de equipa, a serem melhores a gerir as emoções e a atingir os seus objetivos. Tudo isto está dentro do domínio da inteligência emocional.
Juntamente com Richard Boyatzis, elaborou um modelo de competências de inteligência social e emocional para se ser um bom líder no trabalho. Em que áreas é que os líderes de topo mais falham?
Quando os líderes falham ao nível da inteligência emocional, há padrões particulares que vemos. Um é o líder que se torna zangado, grita com as pessoas e está constantemente a dar ordens – é um líder à moda antiga. Outro é aquele que pressiona os trabalhadores em demasia, para atingir determinados objetivos. E pressiona-os de uma maneira que acaba por diminuir a capacidade do trabalhador de atingir o tal objetivo. Porque estão ansiosos e com medo. E o medo é a pior motivação.
Que líder mundial é um bom exemplo de inteligência emocional?
O Dalai Lama é um líder fantástico.
A inteligência ecológica é outro dos temas nos seus livros. O que é?
A inteligência ecológica reflete quão alerta estamos para o nosso impacto no sistema que suporta a vida no planeta.
Chegou a dizer que, ao não estarmos cientes das consequências ambientais e sociais das coisas que compramos, “somos todos vítimas de uma cegueira coletiva”. O que é que nos impede de abrir os olhos?
Em primeiro lugar, as empresas não nos dão a informação necessária para podermos comparar os produtos. Nós não conhecemos a pegada de carbono deste telemóvel em comparação com outro telemóvel, deste carro em comparação com aquele… Por isso, sou defensor da transparência acerca dos reais impactos no planeta das coisas que compramos e acredito que devia existir um sistema de avaliação dos produtos. Se sabemos o preço de um produto imediatamente, também deveríamos conhecer o seu impacto. E isso ia ajudar-nos a tomar melhores decisões.
Mas como é que o consumidor pode impor essa transparência?
Existem sistemas que tentam avaliar a empresa e os produtos individualmente com base em informações disponíveis ao público. Por exemplo, há uma plataforma chamada Skin Deep que faz uma avaliação científica de quantos químicos tóxicos estão nos cosméticos. Pode haver 40 químicos diferentes no champô e tu nunca ouviste falar de 38. Mas eles procuram esses químicos em bases de dados médicas e começam a ver: “Olha, este é tóxico”, “olha, este causou cancro num rato”. E conseguem avaliar os produtos em termos da sua toxicidade. Isto é algo a que qualquer pessoa pode aceder na Internet e é um protótipo do que deveria ser feito com todos os produtos.
E, com isso, acha que os hábitos de consumo iam mudar?
Neste momento, há pessoas que se preocupam muito com isto. A maioria não quer saber, é verdade. Mas quanto mais acessível estiver essa informação, mais pessoas se vão preocupar. Também acho que os mais novos se vão importar mais do que os mais velhos. Isto porque as catástrofes que estão a chegar – o aumento da temperatura e do nível dos oceanos – vão afectá-los de tal forma que eles vão ter de estar motivados a fazer algo.
É possível exercitar a mente como se exercita o corpo no ginásio?
Quando vais ao ginásio e treinas para desenvolver os músculos, não vês logo resultados no primeiro dia. É um processo lento, gradual. É o mesmo com os circuitos cerebrais que são melhorados com a meditação. Há um início, mas não há um fim. Quanto mais meditas, melhor ficas. É como desenvolver qualquer habilidade.
E quais são as vantagens?
A meditação fortalece certos circuitos cerebrais e melhora a atenção, a memória e até pode melhorar resultados académicos. Também te ajuda a ser menos impulsivo, mais calmo, a chateares-te menos ou a recuperar mais rapidamente do stress. E há um tipo de meditação chamado loving-kindness que torna as pessoas mais empáticas e bondosas. Todas estas mudanças começam a aparecer desde o início. Mas quanto mais meditares, mais fortes os efeitos se tornam. Por exemplo, os meditadores experientes conseguem fazer diminuir inflamações. E há outras mudanças que ocorrem ainda mais tarde. Os iogues [especialistas em ioga] conseguem manter ondas cerebrais que a maior parte das pessoas apenas experiencia durante um quarto de segundo. Sabes quando te dá um clique e descobres a solução para um problema? Nesse momento é possível ver uma onda chamada gama no eletroencefalograma. E os iogues têm gama o tempo todo, o que nunca foi visto antes.
E quanto tempo é necessário para se chegar a esse nível?
É preciso trabalhar muito. [Risos] Estas pessoas fizeram 12.000 horas ou mais de meditação.
No livro Inteligência Emocional, escreve que a vitalidade advém essencialmente do contacto humano e das conexões de amizade e amor. O trabalhador dos dias de hoje tem tempo e paciência para nutrir as suas relações?
Essas conexões podem acontecer no trabalho. Mas acontecem, maioritariamente, fora dele. Nas amizades, na vida familiar… E um dos problemas dos dias de hoje é que o trabalho não acaba. Tens sempre o telemóvel contigo e o trabalho pode apanhar-te a qualquer altura e em qualquer lugar.
E como podemos despistá-lo?
Esquece o telemóvel, desliga-o. E está com a pessoa que está à tua frente.
Fonte: https://www.sabado.pt/viver-com-saude/ciencia/detalhe/a-atencao-e-um-musculo-mental-e-preciso-exercita-lo?fbclid=IwAR1q16H1nARNzTtT1-WCRSHVih27zrCj_NTgtzRMPeTeOb0GiZqPWvd8ujA